O Lado Sombrio da Ciência (A lobotomia)

Durante as décadas de 1930 a 1950, o mundo da medicina viveu um dos capítulos mais polêmicos e assustadores da história: o auge da lobotomia.

A lobotomia era uma cirurgia cerebral onde se destruía, de forma intencional, partes do córtex pré-frontal — a região do cérebro ligada ao comportamento, à tomada de decisões, às emoções e à personalidade. O objetivo? “Controlar” sintomas de transtornos psiquiátricos como depressão, esquizofrenia, ansiedade, e até comportamentos considerados “indesejados”.

O procedimento foi desenvolvido pelo neurologista português António Egas Moniz em 1935. Em 1949, Moniz recebeu o Prêmio Nobel de Medicina — um prêmio que, hoje, é alvo de muitas críticas.

Egas Moniz
Egas Moniz

Como tudo começou?

Inspirado em estudos com chimpanzés, Moniz acreditava que desconectar as vias nervosas do córtex pré-frontal poderia “acalmar” pacientes psiquiátricos. No início, ele usava uma técnica chamada leucotomia, na qual uma agulha especial era inserida no cérebro para cortar fibras nervosas.

Mas foi nos Estados Unidos que a lobotomia tomou proporções assustadoras.

O responsável? Walter Freeman, um neurologista sem formação cirúrgica que decidiu popularizar o método.

Jackson Freeman
Jackson Freeman

O Carniceiro da Lobotomia

Freeman acreditava que a lobotomia poderia resolver “todos os problemas da mente humana”. Ele viajou o país em uma van apelidada de “lobotomóvel”, realizando o procedimento em clínicas, hospitais, prisões e até em feiras públicas. Chegava a fazer até 25 lobotomias em um único dia.

Com o tempo, Freeman aperfeiçoou (ou piorou) a técnica, tornando-a ainda mais agressiva: a lobotomia transorbital.

Lobotomia transorbital
Lobotomia transorbital

Era simples e rápido — e aterrorizante:

  • Ele usava um furador de gelo de cozinha (sim, um furador de gelo comum!) para atravessar o osso fino atrás do globo ocular.
  • Com marteladas, o instrumento era empurrado para dentro do cérebro.
  • Depois, Freeman balançava e girava o instrumento, destruindo tecidos do lobo frontal.
  • Em alguns casos, injetava também álcool no cérebro para matar ainda mais neurônios.

A “anestesia” era feita através de fortes choques elétricos, que causavam convulsões e perda de consciência imediata.

Quem eram as vítimas?

A lobotomia foi aplicada em milhares de pessoas: homens, mulheres, idosos, crianças hiperativas e até mulheres consideradas “inconvenientes” pelos maridos.

Estima-se que mais de 50.000 lobotomias tenham sido realizadas nos Estados Unidos.

Os resultados eram imprevisíveis:

  • Alguns pacientes realmente apresentavam melhora em crises psicóticas.
  • Mas muitos outros saíam do procedimento com sequelas graves: ficavam apáticos, incapazes de falar, incapazes de cuidar de si mesmos — verdadeiros “zumbis” humanos.

Freeman chegou a lobotomizar uma menina de apenas 12 anos de idade, que passou o resto da vida em instituições psiquiátricas estaduais.

O Declínio

No final da década de 1940, a comunidade médica começou a questionar os resultados e a segurança do procedimento. Freeman, que não era cirurgião, perdeu sua licença médica em 1950, após a morte de vários pacientes.

Com o surgimento dos primeiros medicamentos psiquiátricos eficazes, como os antipsicóticos, a lobotomia foi lentamente abandonada.

Hoje, a lobotomia é vista como um capítulo triste da história da medicina, um lembrete de como a busca por “curas rápidas” pode ultrapassar os limites da ética e da humanidade.

Curiosidades Marcantes

  • O presidente americano John F. Kennedy tinha uma irmã, Rosemary Kennedy, que foi submetida a uma lobotomia aos 23 anos de idade. A cirurgia foi um desastre: Rosemary ficou com graves deficiências cognitivas e motoras pelo resto da vida.
  • O instrumento original usado por Freeman era um furador de gelo doméstico da marca Ice Pick, até que, após quebrar vários desses utensílios dentro dos crânios dos pacientes, ele mandou fabricar uma ferramenta cirúrgica específica.
  • Em 2005, a Associação Médica Americana emitiu uma nota oficial reconhecendo que a concessão do Prêmio Nobel a Egas Moniz era altamente controversa e, hoje, considerada um erro.

A história da lobotomia é um lembrete de que a ciência sem ética pode fazer mais mal do que bem. Questionar procedimentos, buscar evidências, respeitar a dignidade humana — tudo isso é tão importante quanto o avanço científico.

É por isso que devemos ter orgulho da ciência, mas também a coragem de questioná-la quando necessário. Afinal, foi questionando práticas como essa que conseguimos evoluir e proteger a vida humana.

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