A Grande Mentira da Gordura Saturada e o Paradoxo Francês

Paris, anos 90.
Pesquisadores americanos ficam atônitos: os franceses consomem mais gordura saturada que quase qualquer país desenvolvido… e morrem muito menos de infarto.
Surge então o famoso ‘Paradoxo Francês’.
O que ninguém contou é que esse paradoxo não foi explicado — ele foi enterrado.

Para entender isso, precisamos voltar lá no início do século vinte.
Imagine um mundo onde a palavra ‘infarto’ quase não existia.

Em 1910, o Dr. Paul Dudley White — que mais tarde se tornaria um dos cardiologistas mais respeitados dos Estados Unidos — fez uma afirmação que, hoje, parece impossível:

“Durante todo o meu treinamento em Harvard, eu nunca vi um único paciente com infarto do miocárdio. Nunca. Nem um.”

Gary Taubes em “Good Calories, Bad Calories” (Por que engordamos). Nina Teicholz em “The Big Fat Surprise” (Gordura sem Medo).

O vídeo deste post completo no YouTube:

Naquela época, doenças cardíacas não eram uma epidemia.
Eram uma raridade médica.
Quando aparecia um caso, virava debate entre especialistas.

Agora, feche os olhos por um instante e imagine o Titanic, em 1912.

Os menus preservados revelam o auge da alta cozinha francesa: carnes assadas, molhos espessos, ovos, queijos gordos, cremes e pratos densos, típicos da gastronomia que dominava o mundo no começo do século vinte.

E detalhe:
Os alimentos eram preparados com banha, sebo ou manteiga.
Nenhuma gota de óleo de soja.
Nenhum óleo de milho.
Nenhuma margarina.

E esse não era apenas o padrão nas cozinhas do Titanic. Era o padrão universal. O mundo inteiro cozinhava com aquilo que hoje é chamado de ‘gordura perigosa’: a gordura saturada, acusada hoje de entupir artérias.

E, mesmo com esse padrão alimentar, não existia a explosão de doenças cardíacas que vemos hoje.
As pessoas eram, em média, mais magras.
Não se falava em colesterol.
O coração dessas pessoas funcionava como um relógio.

E aqui fica a pergunta: Por quê? A biologia humana mudou? Ou a nossa compreensão sobre a gordura está errada?
O tempo avançou. Hoje, as doenças cardíacas são a principal causa de morte no mundo ocidental. Homens caem em plena rotina — no escritório, na fábrica, nas ruas. Mulheres sucumbem em casa, no trabalho, muitas vezes sem sequer chegar ao hospital. Uma epidemia que surgiu de forma abrupta.

E aí muitas pessoas podem pensar:
“Ah, claro… as pessoas viviam menos naquela época. Morria-se antes da idade de infartar.”
Parece lógico.
Mas a resposta não é tão simples.

De fato, a expectativa de vida média aumentou desde o começo do século 20.

Mas não porque os adultos morriam mais jovens.

E sim porque a mortalidade infantil era altíssima.
Muitas crianças morriam antes de completar cinco anos de idade.

Infecções. Diarreia. Desnutrição. Falta de higiene. E outros problemas.

Quando desconsideramos os óbitos infantis no cálculo da média, percebemos que a expectativa de vida de quem alcançava os 50 anos em 1900 era relativamente próxima à de hoje.

E esses adultos estavam infartando muito menos.

Só que a história mudou. E o que vemos hoje é assustador.

Os infartos deixaram de ser uma sentença exclusiva da velhice. Eles estão acontecendo em homens de 40, 45, 50 anos. Homens no auge da vida produtiva.

Mas se você acha que isso é apenas fruto do sedentarismo moderno… olhe para isto.

Jovens. Atletas de elite. Pessoas que monitoram a saúde diariamente. Se o coração dessas pessoas está falhando… o que está acontecendo com o resto de nós?

Então, não…
Não é só porque as pessoas passaram a viver mais.
Não é só por conta do sedentarismo.
Algo mudou no ambiente.
Algo mudou na comida.
E em poucas décadas, o infarto passou de raridade médica…
…pra epidemia global.
O que exatamente mudou?
Se a gordura saturada é a grande vilã da história… por que a epidemia de infarto começou justamente quando ela começou a sair do prato – e não quando dominava a mesa?
E por que a França, que sempre consumiu mais gordura saturada, apresentava nos anos 90 uma das menores taxas de doenças cardíacas do mundo?

Prepare-se: o que vem agora é tão intrigante quanto obscuro. É hora de descer nas raízes da história pra entender como fomos enganados.

Final do século 19.
Naquela época, o algodão movia a economia dos Estados Unidos.

Mas havia um problema gigantesco.
Para cada quilo de fibra fofa que virava tecido, a planta produzia quilos de sementes.
E essas sementes eram consideradas lixo tóxico.

O motivo tem nome: Gossipol.

É uma toxina natural que a planta produz. Basicamente, um pesticida embutido.

Ninguém queria aquilo. Era lixo perigoso.
Tentaram dar pra vacas comerem. Elas adoeciam.
Tentaram usar como adubo. Não funcionou.
Jogar nos rios? Proibido. Poluía a água.

Montanhas de sementes se acumulavam. Um peso inútil e tóxico.

Até que alguém teve uma brilhante ideia: E se espremermos essas sementes com força bruta e extrairmos o óleo?
O resultado foi impressionante — um líquido escuro.
De repente, o que era lixo se tornou mina de ouro.

Era época da revolução industrial, e o óleo dessas sementes passaram a ser usados como lubrificantes de máquinas. Era usado em motores. E foi usado até pra fazer tinta de barcos.
E além disso, podia ser usado pra fazer sabão ou velas.
Foi aí que entrou uma empresa chamada Procter & Gamble — a famosa P&G.
Eles perceberam a oportunidade.
Compraram toneladas desse óleo barato…
…e começaram a fabricar esses dois produtos essenciais na vida americana: sabão e velas.
O negócio explodiu.
Eles dominaram o mercado.
Mas aí…
O destino pregou uma peça.
Um homem chamado Thomas Edison inventou a lâmpada elétrica.
De repente, o mercado de velas despencou.
Paralelamente, o petróleo passou a ser a principal fonte de lubrificantes pra máquinas — muito mais eficiente e muito mais barato.
Em consequência, quase todo o mercado que dependia do óleo de semente desabou.
A Procter & Gamble estava em pânico.

Eles haviam investido milhões, fábricas, infraestrutura…

Foi aí que um químico alemão chamado Wilhelm Normann surgiu com uma descoberta revolucionária: a hidrogenação.

Ele mostrou que, se você pegasse aquele óleo líquido e instável…
e bombardeasse com hidrogênio em alta pressão e temperatura…
o óleo se transformava numa pasta sólida.
Branca.
Cremosa.
Parecida com a banha que as famílias usavam pra cozinhar.

E assim nasceu, em 1911, a primeira gordura artificial da história humana. E foi chamada de Crisco.

Mas, eles logo perceberam outro desafio.
Talvez o maior de todos.
As famílias usavam banha e manteiga havia gerações.
Era tradição.
Era cultura.
Era sabor.
Como convencer um país inteiro a trocar o natural por uma pasta criada dentro de uma fábrica?

A resposta foi simples. E brutal.
Eles perceberam que não bastava elogiar o Crisco — era preciso transformar a gordura animal em vilã.
Lançaram campanhas dizendo que a banha era ‘antiga’, ‘suja’, ‘não higiênica’.
E que o Crisco era o oposto: ‘puro’, ‘moderno’.

Era a gordura da mulher sofisticada, da família que acompanhava o progresso.
Mas, a verdadeira jogada de mestre veio logo depois:
o famoso livro de receitas Crisco.
Distribuído de graça.
Cada prato, cada sobremesa, cada fritura…
todas construídas em torno da nova gordura industrial.

O sucesso foi tão grande que outras marcas entraram correndo nesse negócio de esmagar sementes.
Nos anos 20, a hidrogenação foi aperfeiçoada.
Nos anos 30, o óleo de soja ganhou espaço na indústria americana — entrou em fábricas, padarias e produtos processados.
Nos anos 40, em plena guerra, as máquinas de extração e refinamento se multiplicaram em escala industrial.
Nos anos 50, os óleos vegetais começaram a invadir cozinhas do mundo moderno.

Mas, faltava ainda uma peça nesse quebra-cabeça.

A indústria já tinha o produto. Já tinha o marketing. As donas de casa já estavam comprando os óleos de cozinha.

Mas faltava algo mais poderoso que a propaganda. Faltava a validação científica.

Eles precisavam de jalecos brancos.
Precisavam de profissionais da saúde que olhassem pra câmera e declarassem:
“A gordura que seus avós consumiam vai entupir suas artérias.
A nova gordura de fábrica é mais saudável.”

E foi aí que o destino uniu a fome com a vontade de comer.

Na década de 50, os casos de infarto estavam explodindo.

O presidente americano, Dwight Eisenhower, sofre um ataque cardíaco. O pânico se instalou. O mundo queria uma resposta.

Se o presidente, que tinha acesso aos melhores médicos, podia infartar… quem estava seguro?

O que está causando essa onda de ataques cardíacos?

Foi nesse vazio que surgiu um patologista carismático e ambicioso chamado Ancel Keys.

Ele olhou para aquela epidemia de infartos…
e não hesitou.
Antes mesmo de testar todas as hipóteses, ele afirmou que já sabia a causa.
A gordura saturada.
Justamente as gorduras que acompanharam a humanidade por milhares de anos. Que inclusive estão presentes no próprio leite materno.
Segundo Keys, esse tipo de gordura estava entupindo as artérias dos americanos.
E ele estava disposto a provar — custasse o que custasse.
Keys apresentou ao mundo um gráfico.
A linha subia.
Clara.
Convincente.
Quanto mais gordura saturada as pessoas comiam… mais infartos pareciam acontecer.
Finalmente havia uma explicação.
Esse gráfico — simples, elegante e sedutor — abriu caminho para o que anos depois ficaria conhecido como o ‘Estudo dos Sete Países’:
Grécia, Itália, Iugoslávia, Finlândia, Holanda, Estados Unidos e Japão.
A América não questionou.
Apenas acreditou.

Mas, aqui tem um detalhe que muda toda essa história. Quando Keys formulou sua teoria ele tinha dados disponíveis de vinte dois países.

E, desses, ele escolheu mostrar apenas os que desenhavam a curva perfeita.
Os que reforçavam sua teoria.

Os outros… foram deixados de lado.
Ignorados.
Silenciados.

Por quê? Porque nesses países excluídos, a teoria dele não fazia sentido.

Havia lugares onde se comia mais gordura saturada… e, ainda assim, as taxas de infarto eram baixíssimas.
Havia também lugares onde se comia pouquíssima gordura saturada, mas, com altas taxas de infarto.

Os dados não fechavam.
Mas Keys não se importou.
Ele tinha uma narrativa.
E a narrativa era boa demais para ser destruída pela verdade.

E por que essa narrativa era tão sedutora? Porque ela apelava para uma lógica simples, quase infantil: a famosa “Teoria do Encanamento”.

Keys convenceu o mundo de que nossas artérias eram como os canos da pia da cozinha.
Se você joga gordura lá dentro… ela esfria, endurece… e entope a tubulação.

Segundo ele, comer gordura saturada fazia o colesterol no sangue subir — como se fosse um reflexo automático.
E mais colesterol significava maior risco de artérias entupidas.
Uma lógica simples.
Simples demais.

Keys e grande parte dos pesquisadores da época ignoraram também o óbvio.

Hoje sabemos que o colesterol não é o vilão que pintaram.
E que aquela história de colesterol bom versus colesterol ruim é superficial demais pra explicar o que realmente acontece no corpo.
Mas essa verdade precisa ser contada no momento certo.
Porque, antes disso, existe outra parte dessa história que quase ninguém olhou.
Não foi só a geografia que ele ignorou.

Lembra do presidente americano Eisenhower que sofreu o infarto que parou o mundo?
Ele fumava até 80 cigarros por dia.
O tabagismo era altíssimo.
Mas a culpa caiu na gordura que as pessoas sempre consumiram, e não na fumaça no pulmão.

Keys também fechou os olhos para o que realmente tinha mudado na dieta moderna. O consumo de açúcar estava disparando. E as prateleiras estavam sendo inundadas pela gordura hidrogenada. Uma invenção artificial que o corpo humano nunca tinha visto.

Foi uma manipulação científica grosseira.

Mas Keys teve o apoio de quem realmente importava:
a Associação Americana do Coração.

Naquela época, essa associação era pequena.
Sem dinheiro.
Sem influência.
Praticamente desconhecida.

Mas, de repente, ela explodiu. Ganhou força. Ganhou prestígio. Ganhou voz nacional.

E a pergunta que fica é: Como? De onde veio o dinheiro?

E aqui temos a reviravolta mais irônica dessa história.

Lembra do Crisco? A primeira gordura vegetal hidrogenada do mundo?

Pois é. Foi a fabricante do Crisco que financiou a campanha que transformou a Associação Americana do Coração em uma potência.

A Procter & Gamble patrocinou um famoso programa de rádio chamado “Truth or Consequences”.

Eles anunciaram que doariam todas as vendas daquele dia para a american heart association.

O resultado foi tão impressionante que nos registros oficiais da própria Associação, esse episódio é descrito como um “windfall” — uma bolada caída do céu.

De uma hora para outra,
uma organização pequena tinha dinheiro, alcance nacional
e poder para ditar as regras da medicina.

O fabricante de óleo vegetal construiu o megafone.
E a narrativa que se seguiria pelas décadas seguintes.

Anos mais tarde, a american heart association também passaria a receber apoio financeiro da indústria farmacêutica.

A sentença foi dada. E a partir dos estudos de Ancel Keys, a gordura saturada foi declarada inimiga pública número um.

Não houve debate. Houve adesão. Governos adotaram a teoria como lei. Associações de cardiologia assinaram embaixo.

Faculdades passaram a ensinar que gordura saturada e colesterol eram fatores centrais no risco cardiovascular, baseando-se nos trabalhos de Keys.

A mídia repetiu tudo como um mantra.

A indústria alimentícia reformulou seus produtos, criando embalagens que gritavam “Zero Gordura” e “Coração saudável”.

A manteiga, companheira da humanidade por milênios, virou vilã.

No lugar dela, entrou a margarina. Um creme industrial feito, justamente, daqueles óleos vegetais.

A carne suculenta foi trocada pelo peito de frango seco e sem pele.

A gema do ovo se tornou perigosa.

O leite integral foi substituído pelo desnatado.

E tudo isso… Baseado em um estudo que escondeu grande parte dos dados.

Mas, enquanto a América declarava guerra à gordura natural e contava calorias… …do outro lado do Atlântico, algo muito estranho estava acontecendo, na França.

Um país que parecia violar todas as novas regras. Eles comiam quatro vezes mais manteiga que os americanos. Comiam queijos gordurosos todos os dias. Ovos inteiros. Creme de leite em tudo.

Tudo aquilo que, segundo a nova teoria, era perigoso.

E, no entanto…

A França tinha uma das menores taxas de infarto do mundo.

1991.

Uma sala de conferências nos Estados Unidos.
Um grupo de cientistas americanos está reunido em torno de uma mesa.

Pilhas de dados epidemiológicos espalhadas.
Tabelas impressas.
Gráficos da Europa.
Taxas de mortalidade cardiovascular por país.
Consumo de gordura saturada.

Até que alguém aponta para um gráfico.
E diz:

“Espera. Isso aqui não pode estar certo.”

Todos se aproximam.
O silêncio cresce.
Eles revisam os cálculos.
Checam as fontes.

Espera aí… segundo todas as teorias vigentes…
A França deveria ser um cemitério cardiovascular.
Mas não era.

Taxa de mortalidade por infarto na França:
83 mortes por 100 mil habitantes.
Estados Unidos:
315 mortes por 100 mil habitantes.
Quase quatro vezes mais.

Um dos pesquisadores vira para o colega e pergunta:
“O que diabos está acontecendo aqui?”
E a resposta?
Ninguém tinha.
Aquilo não fazia o menor sentido.
Não com base na teoria de Ancel Keys.
Não com base em 40 anos de campanha contra a gordura saturada.

Foi então que um médico e pesquisador francês chamado Serge Renaud resolveu dar nome ao fenômeno.
Ele publicou um artigo na revista científica The Lancet.
Um dos periódicos mais respeitados do mundo.
O título do artigo?
“Wine, alcohol, platelets, and the French paradox for coronary heart disease.”
E ali, pela primeira vez, apareceu o termo ‘O Paradoxo Francês’.

E, claro…
A comunidade científica americana ficou preocupada.
Como explicar aquilo sem destruir décadas de teoria?

Então começaram as tentativas de explicação.

Tentativa número um: o vinho tinto.

“Deve ser o resveratrol! O antioxidante do vinho tinto protege o coração!”
A mídia adorou.
Programas de TV. Revistas. Jornais.
Todo mundo falando dos benefícios do vinho francês.
Parecia a narrativa dos sonhos.
Romântico até.
Só que, tinha um problema. Na verdade, dois.

O primeiro era matemático.

Quando os químicos foram analisar a quantidade de resveratrol necessária para gerar aquele efeito… a conta não fechava. Porque para obter aquela dose terapêutica, um ser humano precisaria beber centenas de litros de vinho. Por dia.

Isso mataria alguém de coma alcoólico muito antes de salvar o coração.

O segundo problema era ainda mais profundo. Era um problema de lógica.

Pense comigo: Os cientistas americanos estavam tão cegos pela teoria de Ancel Keys que eles não conseguiam enxergar o óbvio.

Eles tratavam a gordura saturada como se fosse cianeto. Como um veneno mortal. Então, para explicar por que os franceses tinham menos infarto comendo tanto ‘veneno’, eles precisavam inventar um ‘antídoto’.

A lógica deles foi: ‘o vinho tem que ser o antídoto.’

Era a busca desesperada por uma desculpa.
Porque, pense bem: O ‘Paradoxo Francês’ só existe se acreditarmos que gordura saturada é a causadora primária dos infartos. Se removemos essa mentira da equação… o paradoxo desaparece.

A França não era um modelo perfeito. Eles fumavam, bebiam e tinham seus excessos.
Mas era uma prova clara de que a gordura saturada não podia ser a vilã central da história.

Aceitar essa conclusão significaria rasgar diplomas, reescrever livros e pedir desculpas por 40 anos de conselhos errados.
E ninguém naquela sala estava pronto pra isso.
E não era só sobre orgulho acadêmico.

Isso colocaria em xeque um império inteiro já construído em torno da nova gordura.

Um mercado bilionário de óleos extraídos de sementes, margarinas, produtos industrializados…
Tudo isso amparado por diretrizes oficiais, selos de saúde e recomendações médicas.

Além disso, tinha outro problema:

Se o vinho fosse realmente o fator mágico…
então países que também consomem muito vinho — como Rússia, Hungria e Romênia — deveriam ter taxas de infarto tão baixas quanto a França.

Mas não tinham.

Ok, mas se o vinho não explicava o Paradoxo Francês, o que explicava?

Foi então que outros pesquisadores analisaram o padrão alimentar da época e apontaram para algo muito maior.

O segredo não era apenas o que os franceses comiam a mais. Era o que eles comiam a menos.

Eles estavam consumindo menos desses óleos refinados, preferindo azeite de oliva e manteiga.

Essa informação era perigosa demais. Podia gerar questionamentos. Então, a máquina de narrativas entrou em ação novamente.

Estratégia número dois: simplesmente ignorar.
Nas grandes conferências de cardiologia… Quase não se falava sobre isso.
Nos livros de nutrição das universidades… Nota de rodapé. Quando muito.
Durante anos o Paradoxo Francês foi tratado como uma anomalia estatística.
Uma curiosidade.
Uma exceção.
Era como se aqueles dados não tivessem nenhum valor.

Estratégia número três: desviar o foco.

Já que não dá pra ignorar para sempre, vamos criar explicações alternativas.
Qualquer explicação.
Então apareceram teorias.
E a primeira aponta pra genética.
Mas estudos com imigrantes franceses nos Estados Unidos indicaram que quando eles mudam de país, mudam também as taxas de infarto. Ou seja: Não é genética. É o ambiente.

Nada colava.

Então, partiram para a Estratégia número quatro: A mais suja de todas. Atacar a honestidade dos dados.

Alguns cientistas começaram a sugerir que os médicos franceses não registravam corretamente as causas de morte.
Que havia subnotificação.
Que os dados eram falhos.
Que eles estavam mentindo.
Era uma acusação gravíssima e sem provas.
Mas foi repetida.
Em artigos. Em entrevistas. Em conferências.

Só que a verdade é teimosa. Estudos independentes foram feitos. Autópsias revisadas. Hospitais auditados. A conclusão? Os franceses não estavam mentindo. Eles realmente morriam muito menos do coração. Quase quatro vezes menos.
E mesmo com a verdade escancarada… a narrativa oficial não mudou.

Mas aqui está o que mudou: a ciência.
A ciência de verdade não parou na década de 50.
Centenas de pesquisadores ao redor do mundo continuaram investigando.

Por exemplo, em 2010, um grupo de pesquisadores decidiu fazer algo radical:
Reunir os principais estudos de longo prazo já publicados sobre gordura saturada e doenças cardíacas, envolvendo quase 350 mil pessoas acompanhadas por até 23 anos.

O resultado foi publicado no American Journal of Clinical Nutrition.
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/20071648/

A conclusão?
Abre aspas:
“Não há evidência significativa de que a gordura saturada esteja associada com aumento no risco de doença cardíaca ou derrame.”

Outro estudo monumental, publicado em 2014, na revista Annals of Internal Medicine, revisou 76 estudos, com mais de meio milhão de participantes.
Mesma conclusão:
Nenhuma associação clara entre consumo de gordura saturada e doenças cardíacas.
A comunidade científica séria estava gritando.
Mas o mundo continuava surdo.
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/24723079/

Porque enquanto todos olhavam pro colesterol e a gordura saturada natural…
O verdadeiro inimigo estava passando despercebido.
E tinha três nomes.
Primeiro: Inflamação crônica.
E aqui a ciência moderna é cristalina:
É a inflamação crônica que machuca a parede das artérias — como uma ferida que nunca cicatriza.

E quando o corpo tenta reparar esse dano…
ele envia colesterol pra região, como parte do processo de cura.
O colesterol não é o bandido.
Ele é o bombeiro chegando no incêndio.

E o que alimenta essa inflamação?
Açúcar em excesso.
Óleos vegetais refinados.
Alimentos ultraprocessados cheios de aditivos químicos.
Exatamente aquilo que a dieta moderna empurrou pra dentro do nosso prato.

Segundo: resistência à insulina.
Hoje, sabemos que a resistência à insulina é um dos mais fortes preditores de doença cardíaca já identificados na literatura científica.
Muito mais confiável do que olhar apenas o colesterol total.

Terceiro: a oxidação das partículas de LDL.
Aqui está o ponto crucial que os grandes estudos evidenciam:
O LDL, aquela partícula injustamente chamada de ‘colesterol ruim’, não é vilã.
O problema é quando ela sofre oxidação.

E sabe o que deixa o LDL muito mais vulnerável à oxidação?
Os óleos vegetais ricos em ácido linoleico.
Justamente os óleos promovidos como ‘saudáveis para o coração’.

O óleo de soja.
O óleo de milho.
O óleo de girassol.
A margarina feita desses óleos.

Todos eles são altamente instáveis.
Oxidam com calor.
Oxidam com luz.
E parte dessas moléculas oxidadas — e dos produtos de peroxidação — circulam no sangue.

Quando essas moléculas chegam às paredes das artérias…
elas inflamam e danificam o endotélio.
E aí sim o problema começa.

Em resumo: a base da doença cardíaca não é uma única causa. É um ciclo.
Ele começa com inflamação crônica.
Ganha força com a resistência à insulina.
E se completa quando as partículas de LDL sofrem oxidação.
Esse é o tripé que realmente inicia a placa aterosclerótica — muito antes de qualquer discussão sobre colesterol total.

Agora… pense no ambiente alimentar em que vivemos hoje.
Um ambiente que, sem percebermos, alimenta exatamente esse ciclo.
Produtos cheios de açúcar.
Carregados de óleos refinados de sementes.
Repletos de aditivos químicos.
Pobres em nutrientes reais.
E enquanto isso acontece…
cada vez mais pessoas recebem prescrições para baixar o colesterol de forma forçada —
um mercado gigantesco, movido pela tentativa de tratar o sintoma, não a causa.

Mas, aqui tem um detalhe que merece atenção.

O contexto muda tudo. O problema surge quando a gordura saturada natural é consumida dentro de um ambiente alimentar dominado por óleos vegetais refinados e excesso de açúcar.

Ou seja: não é a gordura.
É o contexto.

E os estudos mostram isso com clareza.
Dietas com gordura natural, incluindo a saturada, e pobres em carboidratos refinados melhoravam marcadores de saúde cardiovascular.
Triglicerídeos caem, HDL sobe, resistência à insulina diminui.

O que Ancel Keys fez foi isolar um nutriente
e culpá-lo por um problema causado pelo padrão alimentar como um todo.

E tudo isso que vimos até aqui nos ensina algo simples, mas vital:

Não podemos confiar cegamente nas narrativas predominantes.
Não podemos entregar nossa saúde às manchetes.
Precisamos pensar.
Precisamos questionar.

Porque no fim, é a nossa saúde e bem-estar que estão em jogo. E merecem nossa atenção.

Evidências científicas e históricas

A produção de algodão resultava no acúmulo de resíduos tóxicos e inutilizáveis ​​provenientes das sementes de algodão.
https://www.jstor.org/stable/1823218

Como os óleos vegetais substituíram as gorduras animais na dieta americana
https://www.theatlantic.com/health/archive/2012/04/how-vegetable-oils-replaced-animal-fats-in-the-american-diet/256155/

Outros pesquisadores apontaram o dedo mais diretamente para nossas dietas, observando a baixa incidência de doenças cardíacas em culturas que consomem dietas tradicionais pré-industriais
https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC1979283/

Os óleos vegetais (de sementes) geralmente contêm baixos níveis de gordura saturada e demonstraram reduzir os níveis de colesterol sérico em ensaios clínicos. No entanto, níveis mais baixos de colesterol sérico não se traduziram em menos ataques cardíacos, maior expectativa de vida ou melhor saúde
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27071971/
https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC6196963/

O consumo de óleo vegetal continuaria em sua trajetória ascendente, com o óleo de soja assumindo a liderança nas décadas de 1940 e 1950, ultrapassando o uso de óleo de algodão, manteiga e banha.
https://www.soyinfocenter.com/HSS/hydrogenation2.php

Embora as taxas de doenças cardíacas estivessem aumentando ao longo do século XX, o ataque cardíaco do presidente Eisenhower colocou o problema das doenças cardíacas na mente dos americanos.
https://www.amjmed.com/article/s0002-9343(14)00354-4/fulltext
https://garytaubes.com/works/books/good-calories-bad-calories/

As doenças cardíacas estavam em ascensão, com a proporção de americanos que morriam de doenças cardíacas quase triplicando entre 1900 e 1960.
https://data.cdc.gov/National-Center-for-Health-Statistics/NCHS-Age-adjusted-Death-Rates-for-Selected-Major-C/6rkc-nb2q/about_data

Com base em autópsias, consideradas o método padrão‑ouro para diagnóstico de doenças cardíacas, os autores observaram que diversas populações imigrantes nos Estados Unidos apresentavam taxas significativamente mais altas de doenças cardíacas em comparação às mesmas populações em seus países de origem. Em alguns desses países, a ocorrência de doenças cardíacas era praticamente inexistente.
https://www.ajconline.org/article/0002-9149(64)90219-X/abstract

A Associação Americana do Coração (AHA) começou a recomendar óleos de sementes ricos em gorduras poli-insaturadas como um meio de prevenir a aterosclerose e diminuir o risco de ataques cardíacos e derrames.
https://www.ahajournals.org/doi/10.1161/01.CIR.23.1.133
https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0002916523152075?via%3Dihub

O ácido linoleico atua como precursor de mediadores inflamatórios, o que explica por que seu consumo excessivo pode favorecer processos de inflamação patológica e danos teciduais. Em contraste, os ácidos graxos ômega‑3 — como o ácido alfa‑linolênico e o ácido docosahexaenoico (DHA) — são precursores de moléculas com propriedades anti‑inflamatórias.
https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC3335257/
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29610056/

Em 2014, um dos principais pesquisadores na área de doenças cardíacas — conhecido por demonstrar o papel das gorduras trans e do colesterol oxidado na indução da aterosclerose — sintetizou as evidências sobre óleos vegetais afirmando: “Nenhum ensaio clínico conseguiu reduzir o risco de doença cardiovascular com o aumento da ingestão de óleos de sementes.”
https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.2217/clp.14.4

Uma meta‑análise de ensaios clínicos randomizados concluiu que, embora a substituição de gordura saturada por óleos vegetais reduza de forma consistente os níveis de colesterol sérico, não há evidências de que essa redução se traduza em menor risco de mortalidade por doença coronária ou por todas as causas.
https://www.bmj.com/content/353/bmj.i1246

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