Depressão: O Grande Erro de Tratar Apenas o Cérebro

Inglaterra, 1621.

Um homem caminha pelos corredores frios de Oxford.

Ele é brilhante. Erudito. Respeitado.

Mas por dentro… algo está se despedaçando.

Seu nome é Robert Burton.

E ele acabou de terminar um dos livros mais importantes — e perturbadores — da história da medicina: The Anatomy of Melancholy.

Mais de 900 páginas tentando entender um inimigo invisível.

Um peso que esmaga a alma. Uma tristeza sem nome. Sem razão aparente.

Burton descreve aquilo que ele mesmo vivia: “uma angústia da mente, um tormento perpétuo… sem febre, mas pior que qualquer febre.”

Ele chamou aquilo de “melancolia” — na época, o termo médico-filosófico para um mal da mente e do corpo.

Hoje, reconhecemos que parte desse sofrimento é o que chamamos de depressão.

E aqui está o detalhe assustador:

Mais de quatrocentos anos depois, esse inimigo continua vencendo batalhas.
Hoje, mais de trezentos milhões de pessoas no mundo vivem com depressão.
No Brasil, são dezesseis milhões.
E os números só crescem.
E a pergunta é: Por quê? E mais importante: O que Burton — e milhões de pessoas ao longo da história — não sabiam sobre a química do cérebro?

Durante séculos, a depressão foi tratada como preguiça, fraqueza moral – ou até como pecado.
Na Idade Média, acreditava-se que era obra de demônios.
No século 19, médicos recomendavam sangrias e isolamento.
Até que, em 1950, algo inesperado aconteceu.
Médicos estavam testando um novo remédio para tuberculose.
O nome? Iproniazida.
E perceberam algo estranho:
Pacientes tuberculosos que tomavam o medicamento… começavam a sorrir.
A cantar pelos corredores.
A sentir esperança.

Pela primeira vez na história, a medicina havia identificado uma substância sintética criada em laboratório capaz de alterar o humor de forma clinicamente observável.

Foi aí que a ciência virou a chave:
A depressão não era só psicológica.
Era química.

Nos anos seguintes, descobriu-se que três moléculas minúsculas no cérebro regulam grande parte do que sentimos e fazemos. De forma simplificada é assim:

— Serotonina: a molécula do bem-estar
— Dopamina: a molécula da motivação
— Noradrenalina: a molécula da energia

Quando essas substâncias estão em equilíbrio… a vida flui.
Quando esse equilíbrio se quebra… o mundo perde a cor.
E foi assim que nasceram os antidepressivos modernos.

Mas aqui está o problema:

Tratar apenas a química do cérebro… nem sempre funciona.
Estudos mostram que até 50% das pessoas com depressão não respondem completamente aos antidepressivos.
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0924977X24000865

Por quê?

Porque a depressão nem sempre começa no cérebro.

Esse artigo recente, por exemplo, publicado na revista Translational Psychiatry, mostrou que a maioria dos médicos ainda precisa tratar a depressão por tentativa e erro —
porque não existe uma única causa, nem um marcador biológico simples que explique tudo.
https://link.springer.com/article/10.1186/s43556-024-00205-y

E vale lembrar: a depressão é uma condição séria.
Em muitos casos, os antidepressivos são fundamentais — especialmente nas crises mais graves, quando o paciente precisa ser estabilizado para evitar complicações.

Mas o tratamento não pode parar aí.
Porque, por trás da crise, existem causas mais profundas…
A depressão é resultado de uma rede complexa de fatores:
interações entre diferentes sistemas de neurotransmissores, substâncias inflamatórias e processos de neuroinflamação, respostas ao estresse, alterações no eixo HPA — o sistema que liga o cérebro às glândulas e ao cortisol —, além de influências genéticas e fisiológicas.

Mas não é só isso.

O cérebro também depende de nutrientes: Vamos falar sobre isso daqui a pouco.

E há ainda os fatores psicológicos — os nossos próprios padrões de pensamento. Padrões que se repetem dia após dia. Por exemplo: ‘nada dá certo pra mim’, ou, ‘eu nunca vou conseguir’. Esses pensamentos não passam despercebidos: eles moldam o cérebro.

Mas o contrário também é verdadeiro. Quando treinamos o cérebro com afirmações positivas — como ‘eu sou capaz’, ‘eu mereço coisas boas’, ‘eu estou aprendendo’ — e cultivamos gratidão pelas pequenas coisas do dia, estamos, aos poucos, reprogramando os circuitos do nosso cérebro.

Existem também os traumas do passado, emoções mal gerenciadas no presente, a falta de orgulho próprio, as situações difíceis da vida, ou até o bombardeio constante de notícias ruins…

Tudo isso, fisicamente, molda a química cerebral.

E talvez o mais surpreendente: o cérebro não trabalha sozinho.
Existe uma linha direta entre o que sentimos e o que acontece dentro do nosso intestino.

Se você perguntar a qualquer pessoa onde nasce a tristeza,
a resposta será quase sempre a mesma:
“No cérebro.”

Mas, a ciência moderna descobriu algo incrivelmente interessante:
até 90% da serotonina do corpo não é produzida no cérebro.
É produzida no intestino.

A maior parte dessa serotonina não entra diretamente no cérebro, mas, ela influencia nosso estado emocional de forma indireta — por meio do nervo vago e da microbiota intestinal.
Essa conexão entre intestino e cérebro é chamada de eixo intestino-cérebro, e afeta tanto as funções gastrointestinais quanto a saúde mental.

Além da serotonina, o intestino — e especialmente as bactérias que vivem nele — produzem uma série de substâncias neuroativas, como GABA, dopamina, acetilcolina e ácidos graxos de cadeia curta, que influenciam o funcionamento cerebral.
Em outras palavras: parte da química das nossas emoções nasce no… ‘intestino’.

Mas o mesmo sistema que nos mantém equilibrados… também pode nos derrubar.

Quando o intestino está inflamado, desequilibrado, com bactérias ruins dominando…
moléculas inflamatórias podem escapar para a corrente sanguínea e alcançar o cérebro.
Lá, elas enfraquecem a barreira de proteção cerebral, tornando-a mais permeável.
E quando essa barreira falha, o cérebro reage com inflamação.
É o início da neuroinflamação — uma inflamação microscópica e silenciosa,
que muda a forma como os neurônios funcionam.

Um estudo de 2019, publicado na Nature Microbiology, analisou mais de 1.000 pessoas.

https://www.nature.com/articles/s41564-018-0337-x?
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30718848/

Os pesquisadores descobriram que indivíduos com depressão tinham níveis muito baixos de duas bactérias específicas no intestino:
Coprococcus e Dialister.

Essas bactérias produzem compostos que ajudam o cérebro a fabricar neurotransmissores.
Sem elas… o cérebro perde parte da sua capacidade de manter o equilíbrio químico essencial para o humor e o bem-estar.

E aqui está a parte reveladora:

O que você come alimenta essas bactérias.
Ou mata elas.

Em outras palavras: Dietas ruins comprometem a diversidade da microbiota intestinal, afetando também o equilíbrio da química cerebral.

E aqui entra um fator que pouquíssimas pessoas consideram: os nutrientes que o próprio cérebro precisa para funcionar.

Imagine tentar construir uma casa sem tijolos.
Sem cimento.
Sem ferramentas.
É exatamente isso que acontece quando o cérebro tenta produzir serotonina, dopamina e outros neurotransmissores… sem os nutrientes certos.
E aqui está o problema:
A dieta moderna é pobre justamente nos nutrientes que o cérebro mais precisa.

Vamos aos essenciais:

Ômega-3 — A Gordura do Cérebro.

60% do cérebro é feito de gordura.
E boa parte dessa gordura deveria ser ômega-3.

Mas com a demonização das gorduras… e o aumento do consumo de óleos vegetais refinados ricos em ômega-6… criamos um desequilíbrio perigoso.
Estudos mostram que populações que consomem mais ômega-3 — como os japoneses e islandeses — têm taxas muito menores de depressão.
O ômega-3 não só reduz inflamação no cérebro…
Ele também melhora a comunicação entre os neurônios.

Vitaminas do Complexo B — O Combustível dos Neurotransmissores.

Serotonina, dopamina, noradrenalina…
Todas essas moléculas precisam de vitaminas do complexo B para serem fabricadas.

Especialmente a B6, B9 e B12.
Deficiência de B12, por exemplo, pode causar sintomas idênticos aos da depressão:
Cansaço extremo, falta de motivação, névoa mental.

Magnésio.

Ele participa de mais de trezentas reações bioquímicas no corpo.
Inclusive na produção de serotonina — o neurotransmissor do bem-estar.
E aqui está o ponto crítico: baixos níveis de magnésio estão ligados a um risco maior de depressão.

Vitamina D.

Vitamina D não é bem uma vitamina.
É um hormônio.
E receptores de vitamina D estão espalhados por todo o cérebro — inclusive nas áreas que regulam humor.
Estudos mostram que pessoas com níveis baixos de vitamina D têm até duas vezes mais risco de desenvolver depressão.
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/23377209/

E aqui está o problema:
A maioria de nós passa o dia todo longe do sol.
Ou usando protetor solar em excesso.

Zinco — O Protetor Neural.

O zinco participa de diversas funções ligadas aos neurotransmissores.
E estudos mostram que pessoas com depressão frequentemente têm níveis baixos de zinco no sangue.
https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0163834320301146

Ferro — O Transportador Invisível.

Ferro não serve só para evitar anemia.
Ele também é essencial para o transporte de oxigênio até o cérebro.
E para a produção de neurotransmissores como dopamina e serotonina.Quando os níveis de ferro estão baixos, o cérebro literalmente sufoca.
Cansaço, falta de concentração, apatia…
Sintomas que imitam perfeitamente a depressão.

O cérebro, portanto, não é uma ilha. Ele é o reflexo direto do que comemos… e, tragicamente, daquilo que não comemos.

Mas seria injusto, e cientificamente incorreto, dizer que a depressão se resolve apenas com nutrição.

A “casa” que estamos construindo precisa de mais do que bons tijolos. Ela precisa de manutenção ativa.

E a primeira ferramenta dessa manutenção é o movimento.

Durante décadas, nos disseram que o exercício é bom pro coração. O que não nos disseram é que ele é, talvez, ainda mais importante para o cérebro.

Quando nos movemos, o corpo não está apenas fortalecendo músculos. Ele está enviando mensagens químicas poderosas para o cérebro.

O exercício físico é um dos mais potentes anti-inflamatórios naturais que existem, ajudando a combater a mesma neuroinflamação que vimos começar no intestino.

Mais do que isso: o movimento estimula a produção de BDNF — o Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro.

Pense no BDNF como um “fertilizante” para os neurônios. Ele ajuda a criar novas conexões, fortalece as sinapses e protege as células cerebrais existentes.

A segunda ferramenta: Luz e Sono.

A luz solar não serve apenas para fazer o corpo produzir vitamina D. Ela é o grande maestro do nosso relógio biológico.

A luz que entra pelos nossos olhos pela manhã envia um sinal ao cérebro: o dia começou. Esse sinal ajuda a regular o eixo HPA — o nosso sistema de estresse — e a liberação de cortisol.

E, crucialmente, garante que à noite, o cérebro saiba a hora exata de produzir melatonina, o hormônio do sono.

E aqui está uma das espirais mais perigosas da depressão: a insônia. A depressão causa insônia. A insônia piora a depressão. Um cérebro que não dorme é um cérebro que não se limpa, que não se repara e que não consolida memórias. E um cérebro que não se repara… afunda ainda mais.

Restaurar o ciclo do sono, muitas vezes começando pela exposição à luz solar matinal, é quebrar um dos pilares que sustentam o transtorno depressivo.

E finalmente… o fator que talvez seja o mais doloroso e o mais humano de todos: a conexão.

O ser humano é, por definição, um animal social. Nossos cérebros foram programados para funcionar em tribo. A solidão crônica, o isolamento… funcionam no corpo exatamente como um estressor físico, aumentando a inflamação e o cortisol.

A conexão social, por outro lado, libera oxitocina — o hormônio do vínculo, que acalma o sistema nervoso e promove sentimentos de confiança.

Mas é aqui que a depressão é mais cruel. Ela é um parasita que nos convence de que o isolamento social é mais seguro. Ela nos diz para ficarmos sozinhos… exatamente quando mais precisamos do outro.

Romper esse isolamento, mesmo que com um esforço imenso, mesmo que seja apenas uma pequena interação… é um ato terapêutico fundamental.

Conclusão.

Há mais de 400 anos, Robert Burton caminhava pelos corredores de Oxford, tentando mapear a “melancolia” com as únicas ferramentas que tinha: filosofia e observação.

Ele não sabia o que era serotonina.

Não sabia que bilhões de bactérias dentro do seu intestino poderiam estar ditando parte do seu humor.
Não sabia que uma deficiência de nutrientes ou a falta de luz solar poderiam agravar o quadro.
Ele nem imaginava que seus próprios pensamentos estavam, fisicamente, moldando o seu cérebro.

Hoje… nós sabemos.

A depressão continua sendo um inimigo complexo, multifacetado.

Ela não é só química.
Não é só psicológica.
Não é só nutricional.
Não é só inflamatória — nem apenas resultado dos nossos hábitos ou circunstâncias de vida.

Ela pode ser — e quase sempre é — a soma de vários fatores.

O tratamento moderno, o tratamento que realmente funciona, não pode mais ignorar nenhuma dessas peças.
Ele precisa ser integrado.

Envolve, sim, a química dos medicamentos quando necessários.
Mas envolve também a química dos alimentos.
O poder do movimento.
A regulação do sono.
A luz natural que sincroniza o corpo e a mente.
A força da conexão humana.
E, acima de tudo, o trabalho psicológico — o processo de compreender, ressignificar e reconstruir a própria história.

Porque não estamos tratando uma molécula ou um sintoma.
Estamos tratando um ser humano inteiro.

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