Leite materno vs fórmula

Leite materno: o alimento perfeito da natureza, essencial para a sobrevivência e o desenvolvimento dos bebês desde os primórdios da humanidade, um verdadeiro presente projetado sob medida para as necessidades específicas dos recém-nascidos.

Mas e quando esse presente não podia ser oferecido?

O que acontecia antigamente quando uma mãe, por algum motivo, não podia amamentar?

Quais soluções eram usadas? Como essas soluções evoluíram até o desenvolvimento das fórmulas infantis modernas?

E, finalmente, a grande questão: as fórmulas modernas conseguem realmente igualar o leite materno em termos nutricionais?

Nos tempos antigos, quando uma mãe não podia amamentar seu bebê, seja por falecimento, doença ou qualquer outro motivo, a solução mais comum era recorrer a uma ama de leite.

Ou seja, uma mulher que havia tido um bebê recentemente e, portanto, ainda produzia leite.

A ama de leite amamentava o bebê de outra mãe em troca de pagamento ou favores.

Essa prática era comum em diversas culturas e classes sociais, desde a realeza até as famílias mais humildes.

No entanto, essa solução não era isenta de problemas.

Nem sempre era fácil encontrar uma ama de leite, especialmente em comunidades menores ou em tempos de guerras ou epidemias.

O custo tornava essa opção inacessível para muitas famílias.

Havia também muito medo do risco de transmissão de doenças infecciosas, como a sífilis e tuberculose.

Além disso, existiam crenças específicas. Por exemplo, na Grécia Antiga, acreditava-se que as características físicas e morais da ama de leite poderiam influenciar no desenvolvimento do bebê.

Por isso, as famílias mais ricas escolhiam amas de leite com melhor aparência, reputação e saúde.

Mas, independentemente da classe social, surgia uma grande questão: E quando as amas de leite não estavam disponíveis?

Nesses casos, alternativas improvisadas eram utilizadas. Estudos arqueológicos sugerem que alguns povos antigos usavam leite de animais, como cabras, ovelhas, vacas ou até jumentas, para alimentar bebês.

Esse leite era administrado com instrumentos rudimentares, como pequenos recipientes feitos de osso ou cerâmica.

Essas práticas, embora fossem as melhores opções disponíveis na época, apresentavam sérios riscos. A higiene precária na manipulação e armazenamento do leite animal podia levar a infecções graves nos bebês, com sistema imunológico ainda imaturo.

Além disso, a composição nutricional do leite animal é diferente do leite humano, o que podia causar deficiências nutricionais e problemas digestivos nos bebês.

Um dos principais problemas era a alta concentração de proteínas e minerais no leite de vaca, por exemplo, que podia sobrecarregar o organismo dos recém-nascidos.

Além da quantidade, o tipo de proteína também difere drasticamente.

O leite de vaca é predominantemente composto por caseína, uma proteína de difícil digestão para o sistema imaturo do bebê.

Já o leite humano é rico em proteínas do soro do leite, como a α-lactalbumina e a lactoferrina, mais fáceis de digerir e com importantes funções imunológicas.

Não é difícil imaginar o motivo dessa grande diferença na composição proteica: enquanto um bezerro dobra de peso em cerca de 47 dias, um bebê humano leva cerca de seis meses para atingir o mesmo feito.

Um bezerro precisa rapidamente desenvolver músculos e ossos robustos, enquanto um bebê humano tem um ritmo de crescimento mais lento e focado no desenvolvimento cerebral.

Na época, com o conhecimento limitado que se tinha, as pessoas imaginavam que o leite de vaca pudesse ser ‘forte demais’ para bebês.

Por isso, uma prática comum era diluí-lo em água — e às vezes misturar cereais ou mel — para tentar suavizar sua composição.

Porém, essa solução rudimentar estava longe de reproduzir o leite humano e, muitas vezes, resultava em problemas como diarreias, vômitos e até complicações respiratórias.

Em algumas culturas, quando o leite materno faltava, não se recorria ao leite animal. Em vez disso, preparavam-se mingaus à base de trigo, aveia ou arroz.

Essas misturas, embora feitas com boa intenção, eram extremamente pobres em nutrientes essenciais e não atendiam às necessidades dos bebês.

O resultado disso era um desenvolvimento comprometido em vários aspectos, frequentemente levando ao aparecimento de doenças como o raquitismo e o escorbuto.

Outra solução era o uso de caldo de carne ou sopas diluídas.

Essa prática era especialmente comum em contextos onde o leite animal não estava disponível ou onde havia a crença de que esses caldos poderiam oferecer os nutrientes necessários para o crescimento.

Obviamente a intenção nesse caso também era boa.

Mas, o caldo de carne também estava longe de ser a solução ideal.

E os motivos, de acordo com o conhecimento que temos hoje, são simples.

O caldo de carne, embora rico em sabor e alguns minerais, não oferece proteínas, gorduras e carboidratos em quantidades adequadas para o desenvolvimento dos bebês.

O sistema digestivo dos recém-nascidos é extremamente sensível, e a carne, mesmo na forma de caldo, pode ser difícil de digerir.

Além disso tudo, sem conhecimento sobre bactérias e germes, muitas famílias ofereciam aos bebês alimentos contaminados, resultando em infecções graves como diarreia e septicemia.

Até o século dezenove, a taxa de mortalidade infantil entre bebês que não eram amamentados era altíssima.

Estudos históricos sugerem que até 70% desses bebês não sobreviviam aos primeiros meses de vida.

Essa realidade assustadora destacava a urgência de encontrar soluções mais seguras e eficazes para a alimentação dos bebês que não recebiam leite materno.

Surge então, no início do século vinte, os primeiros bancos de leite humano. Esses bancos coletavam, armazenavam e distribuíam leite para bebês que não podiam ser amamentados pelas mães.

Mulheres lactantes doavam o leite, que era armazenado em recipientes de vidro e entregue aos hospitais. Esse sistema foi essencial para reduzir a mortalidade infantil.

Um dos primeiros registros é de Viena, Áustria, em 1909. Nos Estados Unidos, o primeiro banco de leite foi estabelecido em Boston, em 1910.

No entanto, a verdadeira revolução veio com o avanço de uma tecnologia que mudou nossas vidas: a refrigeração.

Antes disso, o leite doado precisava ser utilizado quase imediatamente, o que limitava a capacidade de salvar vidas.

Com a refrigeração, tornou-se possível armazenar o leite materno por períodos mais longos, preservando seus nutrientes e reduzindo os riscos de contaminação.

O primeiro banco de leite humano do Brasil foi inaugurado em 1943 no Rio de Janeiro, no Instituto Fernandes Figueira.

Nessa época, a refrigeração já era uma tecnologia disponível, embora não tão difundida como é hoje.

Uma informação interessante é que, hoje o Brasil é considerado referência mundial em bancos de leite humano.

Ok, voltando para a ordem correta dos acontecimentos e descobertas. A refrigeração foi de fato um grande avanço na capacidade de conservação do leite humano, mas, havia um outro problema.

Identificou-se que a refrigeração, embora eficaz na conservação, não eliminava o risco de transmissão de doenças por microrganismos presentes no leite doado.

A solução encontrada foi o uso da pasteurização.

Esse processo, desenvolvido no século dezenove por Louis Pasteur, foi adaptado nas décadas seguintes para os bancos de leite humano como uma forma de inativar microrganismos patogênicos, tornando o leite seguro para consumo.

Inicialmente, os métodos de pasteurização utilizados variavam, mas com o avanço do conhecimento, foi padronizado o método Holder, amplamente utilizado hoje. Esse método consiste em aquecer o leite a 62,5°C por 30 minutos, garantindo a eliminação de patógenos enquanto preserva grande parte dos nutrientes essenciais e fatores imunológicos do leite humano.

É importante ressaltar que, embora a pasteurização possa reduzir a atividade de alguns componentes bioativos, como algumas enzimas e vitaminas termolábeis, ela continua sendo o método mais eficaz para garantir a segurança microbiológica do leite, prevenindo infecções graves em bebês vulneráveis.

No entanto, mesmo com os avanços dos bancos de leite, a demanda por uma solução em larga escala continuava crescendo.

Diante dessa demanda, uma oportunidade de negócio foi avistada, e nesse contexto as fórmulas infantis industrializadas entram em cena, oferecendo uma alternativa prática e, teoricamente, acessível a um número muito maior de famílias.

A história das fórmulas infantis industrializadas começa um pouco antes do grande avanço do banco de leite com refrigeração.

Em 1867, um químico alemão chamado Justus von Liebig desenvolveu a primeira fórmula infantil comercialmente disponível, conhecida como ‘sopa de Liebig’.

Inicialmente em forma líquida e, posteriormente, em pó para melhor conservação.

A ideia era criar uma mistura que imitasse os nutrientes do leite materno, mas a ‘sopa de Liebig’, com sua composição à base de leite de vaca, farinha de trigo, farinha de malte e bicarbonato de potássio, apresentava diferenças gritantes em relação ao leite humano, principalmente na composição de proteínas, gorduras e micronutrientes.

Ao longo dos anos, novas pesquisas surgiram e as composições foram refinadas. Hoje, as fórmulas são altamente regulamentadas para garantir um perfil nutricional cada vez mais próximo ao do leite materno.

No entanto, apesar de terem salvado muitas vidas e continuarem sendo uma alternativa importante em diversas situações, muitas pessoas questionam:

As fórmulas infantis modernas conseguem replicar 100% das propriedades do leite humano?

O leite materno é uma substância viva e extremamente complexa, contendo não apenas gorduras, proteínas, carboidratos, vitaminas e minerais, mas também uma variedade de outros componentes bioativos essenciais para o desenvolvimento saudável do bebê.

Por exemplo:

Anticorpos e fatores imunológicos: O leite materno contém imunoglobulinas (como a IgA), células de defesa (leucócitos) e outros fatores imunológicos que protegem o bebê contra infecções respiratórias, gastrointestinais e até mesmo doenças crônicas. Fórmulas infantis não oferecem essa proteção imunológica.

Hormônios: O leite materno contém hormônios como leptina e grelina, que ajudam a regular o apetite e o metabolismo do bebê, além de contribuir para o desenvolvimento saudável do sistema endócrino.

A leptina e a grelina, presentes no leite materno, são proteínas sensíveis que podem se degradar facilmente durante o processamento industrial. Até onde se sabe, nenhuma fórmula infantil consegue reproduzir a presença desses hormônios da mesma forma que o leite materno.

Enzimas: Enzimas específicas, como a lipase, ajudam o bebê a digerir e absorver as gorduras do leite materno de forma eficiente. Nem todas as fórmulas infantis oferecem esse benefício enzimático.

Prebióticos: O leite materno contém prebióticos chamados oligossacarídeos do leite humano, também conhecidos como HMO, que alimentam bactérias benéficas no intestino do bebê.

Esse processo ajuda a estabelecer uma microbiota intestinal saudável, essencial para o desenvolvimento do sistema imunológico e para o bom funcionamento digestivo.

As fórmulas infantis modernas adicionam alguns oligossacarídeos sintéticos para tentar oferecer um benefício parecido, mas ainda não conseguem reproduzir toda a complexidade e a combinação específica presentes no leite materno.

Composição dinâmica: O leite materno é um fluido vivo que se adapta às necessidades do bebê ao longo do tempo, variando sua composição de acordo com a idade, o horário do dia e até mesmo durante uma única mamada.

Ele fornece exatamente o que o bebê precisa em cada estágio de seu desenvolvimento. As fórmulas, por outro lado, possuem uma composição fixa que não consegue se ajustar às mudanças nas necessidades do bebê.

O leite materno, com seus anticorpos e outros compostos bioativos, não é apenas um alimento, mas também um mecanismo de comunicação biológica entre a mãe e o bebê.

Essa interação complexa influencia o desenvolvimento imunológico, metabólico e até mesmo neurológico dos bebês.

Por outro lado, as fórmulas infantis industrializadas modernas cumprem um papel complementar fundamental.

Elas evoluíram bastante ao longo dos anos, e sua composição de macro e micronutrientes permite, em larga escala, a nutrição de bebês que, por diferentes razões, não podem ser amamentados.

Reconhecendo o papel complementar das fórmulas, e tendo em mente a complexidade da comunicação biológica proporcionada pelo leite materno, podemos agora analisar alguns aspectos em relação a nutrientes e aditivos.

Começando pela composição lipídica, ou seja, a composição de gorduras, que é uma das diferenças mais significativas.

O leite materno contém uma variedade de gorduras saturadas, monoinsaturadas e poli-insaturadas, incluindo ácidos graxos essenciais como o DHA (um tipo de ômega 3) e o ARA (um tipo de ômega 6).

Esses lipídios são fundamentais para a formação das membranas celulares, o desenvolvimento do sistema nervoso central e a absorção de vitaminas lipossolúveis.

Vários estudos demonstram que a presença de colesterol no leite materno também é crucial para o bom desenvolvimento do cérebro e a mielinização dos neurônios.

E apesar de muitos ainda verem a gordura saturada como uma “vilã”, no leite materno ela cumpre funções essenciais, ajudando a construir células saudáveis e facilitando a comunicação entre elas.

Por outro lado, a maioria das fórmulas infantis utiliza óleos vegetais processados (como girassol, soja ou canola) como principal fonte de gordura.

Esses óleos passam por processos industriais de extração, refino e desodorização, que podem alterar suas propriedades e torná-los mais propensos à oxidação.

Além disso, esses óleos oferecem um perfil lipídico diferente do leite materno, com maior concentração de ácidos graxos poli-insaturados, como ômega 6 e, em menor quantidade, ômega 3.

Embora muitas fórmulas adicionem DHA, ou seja, ômega-3, para se aproximar da composição do leite materno, há uma diferença importante na forma como ele é “entregue” ao bebê.

No leite materno, o DHA vem “embalado” em estruturas chamadas fosfolipídios, que facilitam sua absorção e aproveitamento pelo organismo.

Já nas fórmulas, o DHA geralmente vem “solto”, na forma de triglicerídeos, o que pode dificultar um pouco essa absorção.

Em outras palavras, o DHA presente no leite materno apresenta alta biodisponibilidade, contribuindo de forma mais eficiente para o desenvolvimento cerebral e visual.

As fórmulas evoluíram bastante e são inegavelmente úteis quando a amamentação não é possível, mas ainda não conseguem reproduzir toda a riqueza dos componentes lipídicos do leite materno.

Além dessas diferenças na composição de gorduras, há outras questões importantes a considerar.

Muitas fórmulas infantis utilizam açúcares adicionados, como sacarose, xarope de milho ou maltodextrina, para ajustar sabor e calorias.

O leite materno não contém esses ingredientes.

Essa diferença na composição pode impactar o desenvolvimento metabólico do bebê e a formação de preferências gustativas por sabores doces.

Além disso, muitas fórmulas infantis contêm aditivos, como emulsificantes, estabilizantes e aromatizantes, que são utilizados para melhorar a textura, o sabor e a conservação do produto.

Esses itens também não estão presentes no leite humano e seus efeitos a longo prazo ainda são objeto de estudo.

Outra diferença fundamental está na composição de proteínas.

O leite materno oferece uma proporção balanceada entre as proteínas do soro, conhecidas como whey, e a caseína, destacando-se a alfa-lactalbumina e a lactoferrina, que já mencionamos anteriormente.

Essas proteínas são mais fáceis de digerir e essenciais para o sistema gastrointestinal ainda imaturo do bebê.

Por outro lado, a maioria das fórmulas infantis utiliza proteínas do leite de vaca, com uma quantidade muito maior de caseína.

Essa proteína forma um coágulo denso no estômago, tornando a digestão mais lenta e, em muitos casos, causando desconfortos.

Algumas fórmulas modernas tentam minimizar esse problema, ajustando a proporção de proteínas ou utilizando proteínas hidrolisadas, ou seja, pré-quebradas, para facilitar a digestão.

Apesar desses avanços, a complexidade da composição proteica do leite materno, incluindo seus diversos fatores bioativos e de proteção, ainda não é totalmente reproduzida pelas fórmulas infantis.

Diante de tudo isso, não é difícil perceber qual opção continua sendo a melhor para a nutrição dos bebês. Nos casos em que a amamentação não é possível, procurar um banco de leite humano pode ser uma solução valiosa. Converse com o pediatra ou nutricionista para avaliar essa possibilidade.

Se a fórmula infantil for realmente a única alternativa, vale a pena escolher com cuidado. Aqui vão algumas dicas:

Prefira fórmulas com menor teor de óleos vegetais refinados, como soja, canola ou milho. Algumas marcas têm adotado alternativas com perfis lipídicos mais saudáveis, como o óleo de coco, que contém triglicerídeos de cadeia média, também conhecido como TCM.
Além disso, busque fórmulas enriquecidas com ômega 3, especialmente o DHA, um nutriente essencial para o desenvolvimento cerebral e visual do bebê.

Se possível, considere fórmulas com proteína hidrolisada.

No fim das contas, nada se compara à complexidade e perfeição do leite materno. Quando falamos da saúde dos nossos pequenos, todo esforço vale a pena — porque cada gota conta.

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