A História da Demonização da Gordura Saturada

Nossa história começa em uma manhã aparentemente tranquila de setembro de 1955.

Dwight D. Eisenhower, o 34º presidente dos Estados Unidos, estava desfrutando de uma partida de golfe sob o céu azul do Colorado.

Parecia um dia de lazer comum, mas algo estava prestes a acontecer.

Eisenhower reclamou de uma forte indigestão. No entanto, à medida que o dia avançava, o desconforto piorou.

O presidente foi levado às pressas ao hospital… e a indigestão se revelou um aviso cruel: um ataque cardíaco.

A notícia logo se espalhou: o mercado de ações despencou, perdendo 14 bilhões de dólares.

O pior dia para os mercados desde o início da Segunda Guerra Mundial.

O presidente ficou afastado do gabinete por dez dias.

Mas, além das imediatas turbulências econômicas e políticas, aquele ataque cardíaco fulminante no campo de golfe estava prestes a desencadear uma das maiores reviravoltas na saúde pública da história moderna.

A ascensão do medo da gordura saturada e do colesterol começa aqui.

A década de 1950 foi marcada por um grande aumento nos casos de ataques cardíacos em homens americanos de meia-idade.

Ninguém conseguia entender o motivo. A nação estava preocupada e o público desesperado por respostas.

Durante as décadas de 1950 a 1960, o consumo de cigarros foi o mais alto da história. Era uma prática muito comum entre homens de meia idade.

O ato de fumar era altamente incentivado na sociedade.

Eisenhower fumava mais de 4 maços de cigarros por dia!

No entanto, esse fato foi ignorado, e a resposta foi buscada em outro lugar.

Entre em cena… Ancel Keys, um patologista ambicioso da Universidade de Minnesota, com uma teoria que parecia explicar tudo. Sua hipótese, que acabou ficando famosa, a “dieta coração” sugeriu uma ligação direta entre o consumo de gordura saturada, o aumento do colesterol LDL e, consequentemente, as doenças cardíacas.

Keys se apoiava em dados que, embora convincentes à época, lançavam sombras de dúvida sobre um componente básico da dieta humana: a gordura.

O que muitos não sabiam é que Ancel Keys se inspirou em um estudo anterior, realizado pelo cientista russo Nikolai Anitschkow.

Anitschkow, em 1913, alimentou coelhos com uma dieta rica em colesterol purificado a partir de ovos.

O resultado foi surpreendente: os coelhos desenvolveram placas de gordura nas artérias.

Esse estudo pioneiro lançou as bases para a compreensão de que dietas ricas em certos tipos de gorduras poderiam contribuir para doenças cardíacas — uma conexão que Keys estava mais do que ansioso para explorar e expandir.

No entanto, um detalhe fundamental foi ignorado:

Coelhos são herbívoros e humanos são onívoros.

Ou seja, em comparação com seres humanos, o metabolismo de gordura dos coelhos é muito diferente.

Os coelhos NÃO são adaptados para processar gorduras, nós, por outro lado, temos um sistema complexo que não apenas tolera, mas se beneficia de certas gorduras.

E aqui podemos citar um exemplo importantíssimo que desafia a ideia de que as gorduras saturadas são as verdadeiras vilãs: o leite materno.

O leite materno, um milagre da natureza, e o alimento perfeito nos primeiros meses de vida, pode conter até 50% de gorduras saturadas em seu conteúdo gorduroso, complementado por ácidos graxos essenciais monoinsaturados e poliinsaturados, cruciais para o desenvolvimento neurológico e a saúde do bebê.

A importância da gordura no leite materno vai além de simplesmente fornecer energia. Ela entrega vitaminas lipossolúveis, e uma gama de componentes bioativos que são cruciais para regular o metabolismo e a função celular.

Diante de tudo isso, a pergunta que fica é: Se a gordura saturada é tão ruim quanto nos fizeram acreditar, por que a natureza escolheria justamente essa composição para o leite materno?

Pergunta interessante… mas vamos continuar e veremos que esse assunto fica ainda mais interessante…

A natureza, em sua infinita sabedoria, escolheu a gordura saturada para nutrir o começo da vida humana, não por acaso, mas por necessidade.

Vejamos…

Esse tesouro nutricional no leite materno desempenha papéis importantes como:

– Fornecer energia para o desenvolvimento do bebê.
– Facilitar a absorção de vitaminas lipossolúveis, como as vitaminas A, D, E e K.
– Participar da formação das membranas celulares, especialmente das células nervosas, que têm alta concentração de gordura saturada.
– As gorduras são precursores de hormônios e moléculas de sinalização que regulam processos metabólicos e fisiológicos.
– Modificar a composição e a função da microbiota intestinal. A gordura saturada do leite materno pode aumentar a diversidade e a atividade das bactérias benéficas, que ajudam na digestão, na absorção de nutrientes, na defesa contra patógenos e na modulação do sistema imunológico.
– As gorduras do leite materno, incluindo a gordura saturada, carregam anticorpos e células imunológicas que ajudam a proteger o bebê contra infecções e doenças.

Entender a composição e o papel dessas gorduras, muitas vezes nos faz questionar os conselhos nutricionais recentes, muitas vezes influenciados por interesses políticos e econômicos, mais do que por evidências científicas sólidas.

A gordura saturada faz parte da dieta humana há milênios.

Desde os registros mais antigos, seja em documentos históricos ou nas paredes das cavernas com pinturas rupestres, a gordura sempre teve um papel importante na alimentação humana.

Nossos ancestrais dependiam dela não apenas como uma fonte de energia densa, mas também como um meio para obter nutrientes solúveis em gordura, essenciais para a sobrevivência em ambientes muitas vezes inóspitos.

No entanto…

Ancel Keys, com sua teoria dietética, ignorou tudo isso…

Ignorou também o avanço alarmante das gorduras trans, que começaram a dominar o mercado com a popularização dos óleos vegetais processados no início do século XX…

O crescimento do tabagismo…

E culpou os alimentos tradicionais pelo declínio da saúde moderna.

Determinado a provar ao mundo sua hipótese, Keys lançou-se em uma missão com um estudo ambicioso que abrangeria diversos países.

Embora houvesse dados disponíveis de 22 países, Keys optou por incluir apenas 7 em sua análise, uma seleção que gerou debates intensos sobre a representatividade e a integridade de seus resultados.

Os países escolhidos…

Finlândia, Grécia, Itália, Japão, Países Baixos, Estados Unidos e Iugoslávia, foram apresentados em seu gráfico, sugerindo uma correlação entre o consumo de gordura saturada e a incidência de doenças cardíacas.

Ele não incluiu, por exemplo, lugares como Alemanha, Suíça e França, onde as pessoas consumiam muita gordura saturada, mas apresentavam taxas de doenças cardíacas semelhantes às incluídas no Estudo dos Sete Países.

A escolha seletiva de dados deu origem a críticas significativas. Ao omitir os dados dos outros 15 países, que não mostravam uma correlação tão clara, Keys abriu espaço para acusações de viés de confirmação.

Quando analisados na totalidade, os dados dos 22 países mostravam uma correlação próxima de zero.

Outros especialistas da época, como John Yudkin e George Mann, desafiaram abertamente as conclusões de Keys, argumentando que fatores como o açúcar refinado, as gorduras trans e o tabagismo desempenhavam papéis significativos no aumento das doenças cardíacas. No entanto, apesar das críticas, a teoria de Keys ganhou destaque.

Isso levanta uma reflexão sobre como os debates em saúde pública podem ser influenciados por uma complexa teia de fatores.

Alguns argumentam que questionar abertamente produtos amplamente consumidos e lucrativos poderia enfrentar resistência considerável de setores poderosos da indústria.

Um episódio marcante revelou a influência da indústria alimentícia na pesquisa nutricional: na década de 1960, a Sugar Research Foundation (Fundação de Pesquisa de Açúcar) financiou estudos com o objetivo de minimizar a relação entre açúcar e doenças cardíacas, redirecionando a atenção para as gorduras saturadas.

Revelações publicadas no JAMA Internal Medicine em 2016 destacam que cerca de 56 mil dólares atuais foram destinados a esses estudos.

https://jamanetwork.com/journals/jamainternalmedicine/article-abstract/2548255

Tal ‘investimento’ visava proteger os interesses da indústria, contribuindo significativamente para a promoção das teorias de Keys.

Mas, a adoção das recomendações sugeridas por Keys chegou ao mais alto nível quando o próprio Presidente Dwight D. Eisenhower, implementou as diretrizes, não apenas pessoalmente, mas também promovendo-as para a nação americana.

Foi um apoio que reverberou globalmente, marcando as gorduras saturadas, e o colesterol, como inimigos da saúde pública.

No entanto, estudos mais recentes, nos mostram um quadro mais complexo sobre A partícula LDL, frequentemente rotulada como o ‘colesterol ruim’.

Esse estudo, por exemplo, é um estudo chave nesse campo.

https://bjsm.bmj.com/content/51/15/1111

O estudo destaca que a inflamação crônica desempenha um papel importantíssimo na causa das doenças cardíacas, indicando que os níveis de LDL isoladamente, sem analisar seus subtipos, ou outros indicadores de saúde, não fornecem um quadro completo do risco cardíaco.

O estudo ainda questiona a eficácia da abordagem centrada na redução do LDL ( conhecido como colesterol “ruim”) como a principal estratégia de prevenção. Ele sugere que intervenções focadas em reduzir a inflamação e promover um estilo de vida saudável podem ter um impacto mais significativo na prevenção de doenças cardíacas.

Descobertas recentes indicam que o LDL não é uma única substância, mas sim um conjunto de partículas que variam em tamanho e densidade.

Podemos destacar dois tipos principais: o LDL pequeno e denso, que tem maior propensão à oxidação e ao depósito nas artérias, e o LDL grande e fofo, considerado mais benigno e até protetor.

Curiosamente, a gordura saturada tende a aumentar esse tipo de LDL grande, fofo, benigno e protetor.

Por outro lado, o perfil de LDL pequeno e denso pode ser influenciado por uma combinação de fatores, incluindo o consumo de carboidratos refinados e gorduras trans, além de hábitos de vida como sedentarismo, consumo excessivo de álcool e tabagismo, entre outros…

Existe uma ampla gama de estudos científicos revisados por pares que aprofundam nossa compreensão sobre o LDL e sua relação com doenças cardíacas.

Um exemplo é este estudo, disponível no PubMed, que discute especificamente o papel do LDL pequeno e denso no aumento do risco cardiovascular.

https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35453579

O estudo destaca que a complexidade das partículas LDL é maior do que se pensava anteriormente, evidenciando a diversidade dos subtipos de LDL.

Tradicionalmente classificados como ‘bom’ ou ‘ruim’, tanto o HDL quanto o LDL têm funções essenciais que são vitais para o organismo.

Desde o infarto do presidente Eisenhower até os experimentos equivocados com coelhos, vimos como o contexto e as circunstâncias podem moldar a narrativa científica.

A verdade é que a gordura saturada não é um monstro à espreita em nossos pratos, mas sim um elemento com papéis importantes no corpo humano.

No entanto, como com qualquer componente da dieta, a moderação e o contexto individual são fundamentais.

Cada pessoa é única, com necessidades nutricionais distintas, influenciadas por fatores como genética, estilo de vida, condições de saúde preexistentes e objetivos pessoais.

Portanto, não existe uma abordagem única quando se trata de gordura saturada ou qualquer outro componente da dieta. O que funciona para uma pessoa pode não ser ideal para outra.

O potencial anti-inflamatório

Interessantemente, existe uma gama de pesquisas que apontam para o potencial ‘anti-inflamatório’ da gordura saturada, especialmente quando consumida dentro de um contexto de estilo de vida saudável.

Um grande exemplo é a revisão sistemática e meta-análise publicada no “Journal of the American College of Cardiology” em 2020.

Esse estudo é particularmente relevante, não apenas por reavaliar o papel das gorduras saturadas na saúde cardiovascular, questionando as diretrizes dietéticas tradicionais, mas também por analisar um vasto conjunto de dados de estudos observacionais e ensaios controlados randomizados.

A revisão propõe uma nova perspectiva mostrando que, quando incluídas em uma dieta saudável, as gorduras saturadas não elevam os marcadores inflamatórios e podem até contribuir para diminuição da inflamação crônica.

O óleo de coco, por exemplo, frequentemente no centro das discussões sobre gorduras saturadas, ilustra perfeitamente a complexidade dessas questões.

O óleo de coco é rico em ácido láurico, um tipo de gordura saturada que o corpo pode converter em monolaurina, uma substância com propriedades antimicrobianas, antivirais e anti-inflamatórias, mas…

Como bem explicado nesse artigo:

Abre aspas…

“A literatura médica revisada por pares mostra que o óleo de coco pode curar múltiplas doenças para as quais a Big Pharma quer vender medicamentos para você”

Fecha aspas.

O artigo está aqui.

Diante desses achados, surge uma questão crucial: será que estamos negligenciando os fatores reais por trás do aumento da inflamação crônica e das doenças crônicas?

A normalização do alto consumo de açúcar, carboidratos refinados, dietas inflamatórias e pobres em nutrientes…

A normalização do alto consumo de bebidas alcoólicas…

O sedentarismo…

E claro, os óleos de sementes processados que inundam nossos corpos com compostos tóxicos.

Tudo isso, muitas vezes, são fatores subestimados.

Assista o vídeo em nosso canal:

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