Entrevista com o Dr. João Marcelo: Cirurgia Torácica em Pacientes com Alterações Metabólicas

Neste artigo, conversei com o Dr. João Marcelo L. T. de Brito, médico cirurgião torácico da Rede D’Or São Paulo, com formação em cirurgia torácica e robótica pela USP e Hospital Albert Einstein. Falamos sobre os desafios enfrentados em cirurgias torácicas, especialmente em pacientes com diabetes tipo 2, obesidade visceral e outras alterações metabólicas.


Cláudio Vargas: Existem desafios específicos na realização de procedimentos cirúrgicos em pacientes com problemas metabólicos significativos?

Dr. João Marcelo:
Claro. O diabetes tipo 2, por exemplo, é um marcador de inflamação crônica. E a cirurgia é, na prática, um tipo de “trauma” — controlado com técnicas estéreis e anestesia, mas ainda assim um trauma. Nosso corpo não sabe diferenciar um corte acidental de faca de um corte feito com bisturi. Um corte é um corte.
Por isso, a resposta inflamatória e, especialmente, a cicatrização de todas as etapas cirúrgicas ficam comprometidas. Isso aumenta muito o risco de complicações nas suturas e no processo de cicatrização de forma geral.


Cláudio Vargas: Com base em sua experiência, pacientes com alta quantidade de gordura visceral apresentam mais complicações em procedimentos cirúrgicos, especialmente em cirurgias torácicas e robóticas?

Dr. João Marcelo:
Sim. Uma das complicações mais comuns em pacientes submetidos à cirurgia pulmonar é a pneumonia, e isso por alguns motivos:
Primeiro, precisamos desinsuflar o pulmão do lado que vamos operar — ou seja, o paciente será operado respirando somente com o pulmão do outro lado.
Depois da cirurgia, esse pulmão precisa ser reexpandido, e a melhor forma de fazer isso é com fisioterapia respiratória/motora, caminhadas e exercícios.
Outro ponto é que muitos desses pacientes têm histórico de tabagismo, o que aumenta a quantidade de secreção nos pulmões.
E, claro, a própria manipulação pulmonar durante a cirurgia eleva esse risco.

Agora, se o paciente tem um grande acúmulo de gordura visceral abdominal, isso prejudica a mobilidade do diafragma — o principal músculo da respiração — e dificulta toda a mecânica respiratória, justamente quando mais queremos reestabelecê-la.


Cláudio Vargas: Como a presença de gordura visceral impacta a técnica cirúrgica e os resultados pós-operatórios?

Dr. João Marcelo:
No caso das cirurgias torácicas, não há acúmulo direto de gordura dentro do pulmão, o que nos ajuda. Mas há, sim, um aumento da gordura no mediastino — ou seja, ao redor do coração e entre os vasos pulmonares, como veias e artérias — o que pode tornar a cirurgia mais trabalhosa.

Já nas cirurgias abdominais, a gordura visceral dificulta bastante o procedimento. Ela reduz o espaço de trabalho do cirurgião e aumenta o risco de lesões inadvertidas em vasos que estão entremeados à gordura.

Além disso, operar um paciente metabolicamente doente aumenta o risco para complicações como:

  • Infecções
  • Deiscência da ferida cirúrgica
  • Fístulas
  • Pneumonias
  • Tromboses

Cláudio Vargas: Poderia compartilhar uma experiência que envolva um paciente com significativa gordura visceral e os desafios durante a cirurgia?

Dr. João Marcelo:
Sim. Um dos grandes desafios, nesses casos, nem sempre recai diretamente sobre o cirurgião, mas sim sobre o anestesiologista.
Desde o início, a anestesia em pacientes obesos pode ser mais trabalhosa. Por exemplo, colocar um acesso venoso pode ser difícil pela quantidade de gordura.

Mas o principal desafio está na ventilação do paciente. Durante a anestesia geral, o paciente é intubado, e a respiração é feita por uma máquina (ventilador). Ele também recebe bloqueadores neuromusculares, que paralisam todos os músculos do corpo — inclusive os da respiração.
Isso significa que toda a sustentação da mecânica respiratória que o corpo fazia antes da anestesia (mesmo com obesidade) é desligada. A máquina precisa vencer toda a pressão da gordura visceral para expandir os pulmões. Isso exige pressões mais altas, o que pode causar microtraumas nos alvéolos pulmonares e dificultar a cirurgia.

Já tivemos casos em que, ao posicionar o paciente com muita gordura visceral de lado (como fazemos para operar um dos pulmões), o anestesista nos informou que não era possível ventilar adequadamente.
Por exemplo: para operar o pulmão direito, colocamos o paciente deitado sobre o lado esquerdo. Mas o pulmão esquerdo (que fica embaixo) acaba comprimido pelo peso do corpo e das vísceras, e o anestesista precisa usar manobras intensas para manter a oxigenação segura.
Se isso não é possível, temos que suspender a cirurgia ou mudar a técnica — em vez de robótica ou vídeo, fazemos cirurgia aberta com ambos os pulmões ventilando.


Sobre o Dr. João Marcelo

Dr. João Marcelo L. T. de Brito
Médico Cirurgião Torácico
Cirurgia Torácica e Cirurgia Robótica – USP | Hospital Albert Einstein
Vídeo e EBUS – IUCPQ, Canadá
Atuação na Rede D’Or SP – Centro de excelência em Cirurgia Torácica

📸 Instagram: @drjoaomarcelobrito

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